domingo, 7 de outubro de 2012

Crônica da Semana


Hobsbawm o comunismo e eu

Eduardo Fabiano Pereira


          Confesso: não sou nem nunca fui comunista. Mas também nunca me preocupei em ler Eric Hobsbawm sob o rótulo auto impingido. Sim, ele era comunista e eu não. O que não quer dizer que não existam em mim algumas lembranças fortes o suficiente para sobreviverem à minha infância. Recordo claramente de Misha, o urso mascote das olimpíadas de Moscou, chorando no encerramento dos jogos. A mensagem que aquele urso carismático me passava era muito mais agradável que a dos americanos, quatro anos depois em Los Angeles. A parafernália tecnológica e a megalomania do programa Guerra nas Estrelas não me comoviam. Como poderiam?

            Até hoje o hino da ex-URSS me comove (não, não é a Internacional Comunista). Mas nem essas, nem outras simpatias posteriores, foram capazes de me transformar em um comunista. Provavelmente porque tendo nascido em meados da década de 1970, quando finalmente atingi alguma consciência política mais abrangente, o comunismo já se contorcia em agonia. Claro que havia lido vários romances sobre a Rússia e o comunismo, sobre Cuba ou China. O que mais me marcou foi “Dez dias que abalaram o mundo” de John Reed. Devorei aquele livro e todos os que posteriormente me caíram nas mãos, principalmente sobre a Segunda Guerra e a importância da URSS na derrota da Alemanha. Paradoxalmente, quanto mais admirado com aquela potência, menos comunista eu era.

            Quando finalmente entrei na faculdade de História, em fins da década de 1990, é que ocorreu uma pequena aproximação. Fiquei surpreso, descobri que ainda haviam comunistas, socialistas, marxistas ou o nome que se queira dar, e que ainda eram muitos. Ah, a paixão política! Para mim, não passava de ingenuidade, mas, uma doce ingenuidade. Para eles, talvez, uma possibilidade ainda real de mudança. E comecei a lê-los. A maioria não me convencia mas alguns escapavam pelas frestas. Hobsbawm era um deles. Sua escrita era fácil, simples mas não simplista. Perto de muitos outros, uma das leituras mais agradáveis e convenhamos, em se tratando de ciências humanas, isso não é pouca coisa. Ao contrário da Física, que conta com divulgadores dos mais pacientes como Sagan e Hawking, muitos historiadores tendem a ser empolados, ou pior, confundem erudição com conteúdo. Não é necessário espremer 40 referências obscuras em cada parágrafo para se fazer entender. Muito pelo contrário. Hobsbawm escrevia assim, de maneira mais direta e generosa, nem por isso deixou de ser considerado um dos grandes intelectuais contemporâneos.

            Mas estou chovendo no molhado, então voltemos a maneira como encontrei o ser humano que me fez perceber que nem todo comunista é chato ou anacrônico (não me entendam mal, capitalistas são bem mais chatos, embora bem menos anacrônicos). Já havia lido suas “Eras” disso e daquilo, assim como outros textos menos badalados, mas foi com “Tempos Interessantes” que me rendi definitivamente ao velho comunista. Uma sensação parecida com a que tive quando li “A estranha derrota” de Marc Bloch. Em ambos os casos, é um ser humano que fala a um público geral. Historiadores revisando seu tempo a partir de óticas muito particulares e igualmente válidas embora o caso de Bloch seja um tanto mais dramático. De qualquer forma, há um trecho de Hobsbawm que gostaria de reproduzir:

Estou disposto a reconhecer, ainda que lamentando, que o Komintern de Lenin não foi uma boa ideia nem – desta vez sem dificuldade, pois nunca fui um sionista – o projeto de Theodor Herzl de um Estado nacional judeu. Teria sido melhor se ele tivesse permanecido como o colunista-estrela Neue Freie Presse. Mas se me pedissem que considere a proposição de que a derrota do nacional-socialismo não valeu os 50 milhões de mortos e os incontáveis horrores da Segunda Guerra Mundial, eu simplesmente não poderia fazê-lo. Contemplo a possibilidade de um império mundial americano, cujas chances de longo prazo são poucas, com mais receio e menos entusiasmo com que olho para o desempenho passado do antigo Império Britânico, dirigido por um país cujo tamanho modesto o protegia da megalomania. (Tempos Interessantes, 2002)

            Escrito em grande parte no leito de um hospital, em paralelo aos desdobramentos do ataque às torres gêmeas, este livro e passagens como esta, me fizeram crer que o historiador falava mais alto que o comunista, assim como o ser humano falava mais alto que o judeu. Não quero entretanto entrar em polêmicas específicas, apenas reconhecer a importância deste historiador na minha formação. Reconhecer como uma homenagem quase insignificante de um simples mestrando, que Hobsbawm, entre uns tantos outros grandes historiadores, na verdade, ainda não morreu. E se não sou o mais capaz para lhe fazer uma homenagem propriamente acadêmica, ao menos, deixo a ele o meu obrigado.