segunda-feira, 25 de junho de 2012

Crônica da Semana


Encarando o abismo (ou sobre como ser otimista), por Eduardo Pereira.

            Nos últimos anos aprendi a acompanhar balanços de clubes. Não que sejam emocionantes por si mesmos, ou que eu pretenda comemorar caso meu clube venha a alcançar a casa das centenas de milhões de reais, mas, a observação das diferenças gritantes entre os orçamentos disponíveis especificamente para o departamento de futebol dos clubes grandes, médios, pequenos e, digamos, minúsculos, pode causar uma sensação de vertigem; a mesma que tem levado vários especialistas, cronistas e curiosos em geral a se perguntar: seria a “espanholização” do futebol brasileiro?

            Acompanhando os diversos estudos que a Pluri Consultoria vem realizando (largamente discutidos no blog de Emerson Gonçalves, http://globoesporte.globo.com/platb/olharcronicoesportivo), me percebo inclinado ao grupo dos que acreditam na formação de um núcleo de 4 ou 5 clubes de ponta, sempre disputando e vencendo títulos, seguido de outro grupo, pouco maior, em cujo seio despontariam eventualmente 1 ou 2 como candidatos sérios a títulos por um determinado ciclo, ao fim do qual, seriam substituídos por outros daquele mesmo grupo secundário de “eternos candidatos” à grandeza. E assim sucessivamente, compondo a pirâmide monetária do futebol.
            Nada muito diferente do que ocorre hoje, embora os campeonatos estaduais ainda funcionem como válvula de escape para a sede de títulos dos pelotões secundário e terciário. Talvez lhes falte perceber o crescimento das receitas numa relação exponencial, aumentando constantemente o abismo. Por outro lado, é possível que o eu torcedor, como que buscando alguma esperança, esteja dizendo: “nenhum crescimento, exponencial ou mesmo aritmético, pode ser eterno!” Seja como for, seria útil que todos os envolvidos com o futebol pensassem a respeito. Como disse certa vez João Saldanha, em relação às discussões internas no PMDB, sobre a posição que o partido deveria tomar quanto ao plebiscito de 1993: “algumas questões tem que ser programáticas”. O futebol brasileiro parece estar inserido no mesmo padrão ao qual Saldanha se referia, reproduzindo uma partidarização desideologizada, partindo de oligarquias personalistas, cuja profissão de fé, reduz-se à perpetuação da própria espécie. Neste quadro restaria a muitos clubes, hoje tidos como grandes, orbitar alguns poucos gigantes.
            Ferran Soriano, em A bola não entra por acaso, afirma que nem todos os clubes tem que ser grandes, há sempre alternativas e nichos de mercado a se explorar. Certo, mas e o imponderável? Não é justamente na incerteza provocada por um mínimo de similaridade de condições, que surge grande parte das paixões futebolísticas? Ou, numa alusão quase involuntária a Rainer Maria Rilke: com que frequência podemos ter a esperança do imponderável diante do abismo? Como diria Nietzche: quando encaramos suficientemente o abismo, ele nos encara de volta. E por aí surge o medo de que venhamos a ter aqui a reprodução do modelo espanhol.
            De certa forma, um medo relacionado a um modo de torcer que busca sempre a vitória em detrimento da disputa. Um receio, melhor dizendo, de que uma maior polarização leve, inevitavelmente, ao ciclo vicioso de concentração de renda, torcida e títulos. Quanto a mim, a paixão pelo futebol se iniciou através de um clube marginal, que pouco ganhava mesmo no contexto regional e, por vezes, me vejo desconfortável com a noção de que meu time tem que ganhar a qualquer custo. Se ele voltar a ser pequeno e marginal, ou se se definir como médio, talvez, seja possível que eu reencontre o prazer de torcer que abandonei lá pelo início da década passada. De qualquer forma, seria exigir demais do torcedor em geral que siga a mesma lógica – palavra aliás, pouco adequada ao futebol em si. Apesar disso, ou talvez justamente por isso, não é a “espanholização” do futebol brasileiro o que vejo no horizonte, mas, a conformação do processo de concentração a um modelo brasileiro ainda indefinido. Neste sentido, o futuro sob o olhar dos analistas, assim como o passado nas mãos dos historiadores, está em constante construção e reconstrução.